terça-feira, 21 de julho de 2009

9 - Ondas Azuis

Situações engraçadas e outras constrangedoras


Na sala de espera de uma clínica
- O que a senhora tem?
– Doença de Parkinson
- Doença de quê?
- Mal de Parkinson – quase sempre uma terceira pessoa se apressa a esclarecer.

Se a pessoa for informada sobre Parkinson, um ahaa carregado de surpresa - vem acompanhado de um julgamento sutil, de um preconceito mal disfarçado. Do tipo: noooossa, tão nova (e já neste estado? parecem dizer).



No Banco
-Mas como a senhora chegou a esse estado? A pergunta foi feita a Lia pela subgerente de um banco, onde Lia tinha conta. A pergunta foi formulada de maneira hostil, como se ela tivesse culpa de seu estado de saúde.
- Estou em momentos de crise de uma doença que é crônica e degenerativa, disse Lia. A subgerente não gostara de ver alguém tão debilitado a sua frente. E deu asas à discriminação.

Já com as pessoas mais simples e desinformadas a palavra Parkinson fica flutuando no ar como os winks do MSN, mesmo porque até elas entenderem e pronunciarem a palavra Parkinson, a palavra mal já terá feito estragos. Em ambos os casos é uma situação muito chata para qualquer PK.

Ou na padaria
- É aquela doença que faz a pessoa se tremer toda? Mas, você não treme...
- É que eu tenho rigidez
- Valha, eu achava que era só tremor. Então você não fica com vergonha. É que a mulher do meu chefe treme muito, coitada, e fica com muita vergonha quando recebe visitas.

De um pk cearense
- Parei de beber porque me cansei de molhar o terno dos amigos nas festas. Ora, se não posso beber nas festas, não bebo mais de jeito nenhum.

Lia acredita em Deus? Ela assegura que é cristã, mas não praticante.

- Você não é praticante, por que você não crê em Deus. É por isso que você está doente assim. Só Deus pode lhe redimir. Como se a doença fosse “um castigo, uma expiação ou um carma” (tema de um chat de um grupo de PKs)

Não sei, não, emenda Lia – o médico me garantiu que estou assim porque meu cérebro está se recusando a produzir uma espécie de lubrificante responsável pela minha coordenação motora.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

8 - Ondas Azuis

cont...



Um dia Lia estava em casa, alguém bateu na porta, ela abriu e se deparou com uma moça de aproximadamente 30 anos se torcendo toda, tremendo, completamente sem equilíbrio; parecia, alguém já disse, um daqueles bonecos de plástico de posto de gasolina. Perguntou se estava falando com a presidente da Associação. Lia pediu-lhe que entrasse. Ela veio pedir medicação e Lia lhe explicou que a APC ainda não tinha remédios para distribuir, nem amostras grátis.

–Mas me disseram que você poderia me ajudar. Eu estou há três dias sem meus remédios. Não posso voltar pra casa sem eles. Na farmácia do Hospital das Clínicas não tem e eu não tenho dinheiro para comprá-los.

Lia não sabia o que fazer, tinha um dinheiro da APC em casa, mas hesitava em usá-lo. O bom militante garante que é melhor ensinar a pescar, mas pescar demanda silêncio e equilíbrio e aquela moça sem a levodopa, e sem outras dopas para Parkinson, tremendo daquele jeito cairia no rio ou, certamente, na rua. Ela não estava disponível para regras e se lixava para valores. Ela dispensava o pão, ela precisava de remédios.

Quando Lia vencida lhe prometeu o remédio, ela disse que estava cansada e pediu para se deitar um pouco no sofá. Entregou-lhe a receita e extenuada em minutos adormeceu profundamente. Dormindo, o tremor desaparecia. Estava realmente cansada, física e psicologicamente. Ela morava longe e tinha vindo de ônibus. Posso imaginar o constrangimento durante o percurso. E admirar sua coragem de sair à rua naquele estado. Ela não merecia voltar para casa sem seus remédios.

Enquanto ligava para a farmácia e observava o sono da moça, Lia se perguntava: como serão meus próximos cinco anos? A moça dormindo parecia estar dizendo: eu sou você amanhã. Tremeu de temor.

O drama de Tereza não termina aqui. Ela apresentava um caso raro de parkinsionismo hereditário: sua mãe também era Pk e sofria com a rigidez. Mas falo disso outra hora – já é muita tristeza para o meu andadorzinho.