sexta-feira, 25 de setembro de 2009

14 - Ondas Azuis

cont...

Algumas situações são intrigantes para Lia. O histórico de medicação de muitos pacientes de Parkinson, o dela inclusive, é uma caixa de surpresas. Ela não consegue entender a diferença entre o tremor causado pelo Parkinson em si e o tremor que antecede os movimentos involuntários, esses últimos quase sempre causados pela medicação inadequada e ou pela DIL - Discinesia Induzida pela L-Dopa.

Haja vista que, em geral, quando acionados por este motivo, os médicos desses pacientes costumam reduzir, imediatamente, as dosagens da medicação. Essa situação instável a respeito dos medicamentos deixa Lia apreensiva. Ela fica abalada quando presencia ou quando sabe que alguém esteve ou está em crise de discinesia braba, ou em descontrole emocional.

-Eu sinto um silêncio dentro de mim. Eu sinto dó, solidariedade e medo, diz Lia. Eu acho que isto explica a curiosidade que tenho quando conheço um novo ou uma nova Pk. Quero saber qual é a terapia. Que remédios usam.

Sabemos que os remédios anti-Parkinson são verdadeiras “bolas” e administrados em doses inadequadas produzem perda do sono, perda do apetite e cansativos e constrangedores efeitos colaterais e até psicológicos.

- A gente se torna motivo de chacota, parecemos estar bêbados o tempo todo. Eu me sentia como uma galinha mal esganada repete Lia ironizando a si mesma.

O início do tratamento com doses fortes de levodopa, carboidopa e selegilina foi um exagero que custou muito caro a Lia. E quando na tentativa de reduzir os efeitos da DIL o médico recomendou o Sinemet, o verso virou palavrão. A rejeição foi total e imediata. Foi tão violenta que alterou até o cheiro da transpiração. Lia não suportava o próprio suor. Não durou um mês o tratamento com o Sinemet. Mas Lia conhece muitos Pks que se dão melhor com o uso do Sinemet. E os médicos? O que fazer para receitar a medicação correta?



Casos A, B, C

Lia conheceu Alfredo, um pk com o qual trocava figurinhas sobre os bons e maus momentos da doença. Ele recebeu o diagnóstico aos 49 anos, aos 51 sua receita parecia uma lista de supermercado. Nela tinha parlodel, prolopa, sinemet, niar e mantidan, (prolopa e sinemet juntos, não indica um exagero?) Só de Parlodel ele tomava 6 comprimidos por dia. Quando Lia o conheceu ele apresentava como sinal da doença apenas um médio tremor das mãos, que ele colocava sob as pernas quando sentado, e um leve balanceio ao caminhar. Ele era um homem rico (nesse caso) infelizmente. Podia pagar as extravagantes prescrições que lhe eram ministradas. Um exagero terapêutico e financeiro.

Ele deu azar porque a progressão da sua doença foi rápida e pincelada com fases de dolorosas discinesias provocadas pela medicação. Ele tentou a cirurgia, palidotomia, mas de novo faltou-lhe sorte. A cirurgia não foi bem sucedida embora realizada por um renomado neurocirurgião, (o mesmo que operou Lia; falaremos disso na próxima Onda). Ai, a depressão se encarregou do resto... Ele faleceu aos 55 anos. De Parkinson, disse sua esposa a Lia.
É...? murmurou Lia.

Exagero de um lado e carência de outro. Lia foi procurada pelo marido e filho de Berenice, uma parkinsoniana, que queria falar com ela.

- Mas eu não sou médica.
O filho respondeu: Nós sabemos, ela viu a senhora na TV, e sabe que a senhora publicou um Manual para parkinsonianos. Ela quer muito falar com a senhora. Há dias vem pedindo para virmos buscá-la. Eu e meu pai só queremos saber o que devemos fazer. Nós não podemos trazê-la aqui porque ela não está andando.

- Vocês devem levá-la ao médico.
- Nós já levamos há,aproximadamente, dois meses, ela melhorou mas, de repente, piorou de novo. Lia curiosa cedeu e pelo caminho foi se inteirando do caso. Após crises de discinesias sua médica tirou parte da medicação. O que já era esperado, pensou Lia.

Entretanto, quando chegou à casa, quase uma mansão, num quarto enorme, luxuosamente decorado, numa cama grande viu uma mulher pequenina, menos de 1,60m, deitada em posição fetal, sem mexer nem braços, nem pernas,nem pescoço. Um enrijecimento total. Que choque. De novo? Sou eu amanhã? disse Lia baixinho.
E perguntou ao marido.
-Ela já tomou remédios hoje?
-Já
-A que horas? E qual é o medicamento?
- Às 7h00 da manhã. Um comprimido de Prolopa.
Já eram onze horas.
- De quantas em quantas horas?
Resposta surpreendente: Um comprimido de Prolopa por dia.
- Levem-na ao médico o mais rápido possível. É isso que vocês precisam fazer. Parece-me, pelo estado dela, que a medicação não está adequada.
- Mas foi a médica que receitou só esse remédio, responderam.

De repente, Lia percebeu que a mulher chorava. Aproximou-se e ela pediu para ficar sozinha com Lia. O marido e o filho saíram do quarto. Em prantos ela perguntou a Lia se ela ia voltar a andar. E comentou a difícil relação que estava vivendo com o marido e o filho. Eles achavam que ela não estava tão mal assim. Achavam que ela estava chantageando. É que alguns dias após terem sido retirados alguns medicamentos e reduzida a dosagem da Prolopa realmente ela demonstrou melhora. Mas foi só por alguns dias. Ainda sob o efeito da levodopa. Depois...a falta de dopamina se fez sentir.

Comovida com o sofrimento daquela mulher tão frágil diante dela, Lia disse: eu não sou médica, nem psicóloga, mas acho que você deve visitar sua médica urgentemente e relatar o que está acontecendo com você. Sua medicação está aparentemente incorreta. Resolvido isto procure uma fisioterapia que vai lhe ajudar a voltar a andar e tomar as rédeas de sua casa. A mulher abriu um sorriso. Nunca mais se viram, mas Lia às vezes se pergunta: será que ela voltou a andar?

Diagnósticos
(Email recebido em 21.09.2009)

Wilma
...tb sou portadora de DP. Soube do diagnóstico há +/- 5 anos - completo 50 anos no próximo mês. Foi um grande choque. Levei muito tempo pra digerir e elaborar esse fantasma na minha vida - como vc mesma diz no seu blog.
Sobre os medicamentos que uso: o primeiro médico que consultei me receitou uma pescaria, ja que eu nao tinha nada a nao ser um stress... o segundo médico pediu uma ressonância e um exame de licor e diagnosticou esclerose múltipla; receitou um remédio para epilepsia e um seguro funeral já que o prognóstico era o pior possível e eu devia me preparar... o terceiro, quarto e quinto médicos que consultei diagnosticaram parkinsonismo e parkinson. já usei levodopa, akineton, vitamina E, e atualmente uso coenzima Q10 e Sifrol.

Gostaria, se possível, de saber um pouco da sua experiência e edicas para os portadores de DP.

Um forte abraço
Cleide


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email wilmamonteiro@terra.com.br

sábado, 12 de setembro de 2009

13 - Ondas Azuis

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A dificuldade maior para a confecção do Manual para Parkinsonianos e seus Familiares era mesmo a falta de referências. Não havia Internet, os textos científicos não eram acessíveis, não existia esse volume de informações sobre a Doença de Parkinson agora disponível pela web.

A dificuldade para reunir o material e o fato de Lia não dominar a linguagem técnica da doença resultou numa edição bem simples. Mesmo assim o Manual foi um sucesso. Mas Lia acha que não dá nem para se envaidecer com isso, não havia outra publicação leiga! Nem melhor, nem pior! Já a segunda edição foi mais sofisticada, ampliada, capa colorida etc, com a participação da Dra. Clara Nakagawa falando sobre os Grupos de Apoio

Antes de renovar os agradecimentos aos patrocinadores dos Manuais preciso comentar a recepção dada a Lia e ao ‘boneco’ (rascunho com layout definido) do Manual pelas pessoas que assumiam cada vez mais sua antipatia por ela dentro da APC-Associação Parkinson do Ceará. A coisa tomou uma direção pessoal. A gaúcha Daise era a menos discreta. A questão, como em muitos outros movimentos, era uma questão de poder. Dividiu-se em grupos: um pró Lia e outro contra as posições de Lia.

Mas olhando com realismo, isso é coisa muito comum em incontáveis grupos, associações, cooperativas, partidos etc. Só muda a forma e a importância, o objetivo é o mesmo: o poder, mesmo que, como o de Lia, não fosse grande coisa. rsrs

Enfim, não concordaram com a publicação do Manual e não quiseram nem ler. Lia aquiesceu. Com a saúde em frangalhos e resolvida a voltar a São Paulo para procurar um médico recomendado por uma amiga, o melhor a fazer era desfazer-se de responsabilidades e ‘tocar’ sua própria doença. Passou o “poder“(sic) para o vice-presidente com toda a documentação da associação. Mas cutucou: Eu vou publicar o Manual.

Em São Paulo, marcou a consulta com o especialista e voltou-se para a edição do Manual. Lia acreditava que, como ela, muita gente buscava essas informações; pôde sentir isso com sua atuação na APC, e a confirmação desta necessidade foi comprovada pelo grande número de participantes no lançamento do Manual na Associação Brasil Parkinson – SP.

Felizmente, hoje são as associações de parkinsonianos, já existentes em diversas partes do país que, ‘botando seus blogs na rua’, trazem informações fresquinhas e de especial interesse para Pks e seus familiares.

Essas instituições veem estabelecendo uma rede de solidariedade, de transformações na qualidade de vida deste segmento e – muito importante – ajudando-os(as) a sair do armário, a ‘perder a vergonha’ de sair de casa, de deixar ver seu estado, de sair do casulo.

* Nossos agradecimentos ao neurologista Dr. Wagner Horta pelo material trazido do exterior e pela revisão técnica da primeira edição.
* Nossos agradecimentos ao neurologista Dr. Egmont Lobosky pela revisão da segunda edição e pelo adendo: Parkinsionismos
*Agradecimentos à Libbs Farmacêutica pela impressão, à Pro-Texto pela editoração do Manual e a Maryland e Samuel Groissman, presidente da ABP – Associação Brasil Parkinson por terem permitido que o lançamento do primeiro Manual para Parkinsonianos e seus Familiares fosse realizado nessa instituição.
*Agradecimentos também à Ramblas do Brasil pela editoração e impressão da segunda edição (1998). Edição também esgotada.
*Não podemos deixar de agradecer ao designer e amigo Roberto Garcia pela belíssima capa da segunda edição.


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e-mail wilmamonteiro@terra.com.br